Marlova Aseff
Um
temporal se forma quando uma frente fria avança, do Sul em direção ao
Norte, até se chocar com uma massa de ar quente. A esse violento
encontro da natureza também chamamos de tempestade ou tormenta. São dois
movimentos opostos, como dois desejos em combate.
Estavam
em meados de abril e os dias continuavam quentes e abafados. Ao acordar, Teresa
tinha sempre a esperança de ver nuvens no céu ou de, ao menos, sentir uma leve brisa que pudesse anunciar chuva. Mas
não. O tempo passava e o céu amanhecia,
dia após dia, de um azul pleno, iluminando a
vastidão da planície. O sol,
onipresença tórrida, sugava as energias de todos os seres. Homens, gado,
cachorros, gatos e até os pássaros procuravam uma sombra para escapar do
mormaço. O calor obrigava Teresa a cumprir as lides da primeira hora da manhã
com certa pressa. Levantava antes das cinco, e o sol não tardava em arder mais
e mais forte, tornando fatigante o trabalho caseiro. Isso a incomodava de
maneira particular, pois alterava a rotina lenta e metódica com que estava
acostumada a levar o tempo, num ritual repetitivo, mas que a ajudava a
preencher os dias. Ela observava o calor impelindo o pasto a se retorcer,
travando uma luta inútil para não
ressecar por inteiro; sentia a sola dos pés queimarem a ponto de ter de procurar uma laje que ainda se mantivesse
fria para plantá-los ali por alguns momentos.
Mais uma semana
de sol e pequenas trombadas de chuva que de nada serviam e o poço, que havia
resistido por todo o verão, começava a secar. O homem da casa recomendou que
não fossem mais lavadas as roupas, nem as lajes. Era preciso poupar água. Com menos serviço, ela agora tinha tempo para sentar-se à sombra dos
cinamomos e jogar pensamentos fora
enquanto esvaziava as glândulas de tanto suar. Atirada sob as árvores, pensava
em como o verão lhe era especialmente cruel. Havia lhe tirado os últimos
prazeres que tinha, como o gosto pelo
mate amargo da manhã. Sorver o líquido quente a fazia arder ainda mais.
Depois
de limpar a casa, o final da manhã era o
próprio inferno. Ficava junto ao fogão para preparar o almoço dos homens e os
vapores ferventes das panelas a envolviam até a náusea. A hora da sesta tampouco trazia alívio, pois o
sono era pesado e a levava a pesadelos diurnos que eram sempre mais terríveis
do que os da noite. Mesmo assim, era preciso escapar do escaldante sol da uma
hora da tarde abrigando-se na penumbra dos quartos da casa, sentir o cheiro das
coisas velhas, olhar entediadamente para o teto de madeira e as suas teias de aranha ou para os móveis quietos da casa. Nessas horas arrastadas, ouvia o galo cantar
longe dali, a quietude revelava o rangido das madeiras do assoalho, a
respiração dos ocupantes dos outros cômodos. Mantinha-se nesse exercício de
escutar até o chão ressonar com o trote manso dos peões em seus cavalos, rumo
ao campo para a jornada da tarde. Nunca sabia se tinha de fato dormido ou se
ficara todo o tempo a decifrar os sons da casa. Uma pequena redenção era a
chegada da noite. O céu cobria-se de alaranjados e rosas, os animais recolhiam-se e a
noite avançava lentamente. Por alguns minutos, o esperado alívio. Da janela do
banheiro, lavando-se com a água fresca do poço, via a lua, imensa, nascendo
vermelha. Mesmo bela, era um sinal de que o calor permaneceria. Neste momento, o desânimo a devorava. Era o fim
de mais um dia.
Em uma dessas noites, com as
coxas grudadas de suor e a nuca encharcada, entrelaçou ideias desordenadas e
repetitivas sobre quando a estação ingrata haveria de acabar. Doeu-lhe
profundamente não poder contar com o refúgio imaginário dos dias frios. Ficar
sob as cobertas pesadas enquanto não era hora de levantar, consolada pelo cinza
chumbo do inverno, imóvel, como num
canto de si mesma. Sentia-se mais viva nos dias de vento forte, frio e
revoltoso. Pensou em como, todos os
anos, ansiava pela chegada do inverno, quando o rádio alertava a aproximação
das frentes frias, que inevitavelmente
formavam violentas tempestades. Nunca desejara tanto ver uma tormenta se
armando no horizonte.
De madrugada, Teresa acordou
ouvindo a janela do quarto que batia forte. Nuvens de poeira invadiram a peça,
banhando-a de translúcidas partículas que se colaram ao corpo ainda úmido de
suor. Saiu correndo e, afoita, olhou para o céu e viu nuvens avançando ágeis
sobre a sua cabeça. Enfim a tormenta viria. O vento sacudia os eucaliptos e
carregava folhas soltas em pequenos redemoinhos que a envolviam enquanto
girava, só e desvairada, no pátio da casa. Sentiu prazer em cada trovoada, em
cada relâmpago que atravessava o breu e esperou avidamente pelas primeiras
gotas de chuva.
Mas as gotas não caíram. O mesmo vento que
trazia a chuva, carregou-a para longe. Teresa voltou a seu quarto. A madrugada
corria solta e nenhum sopro de brisa adentrava a janela.
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