Minha arqueologia
“Quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir como um homem que escava. Antes de tudo, não deve temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo.” - Walter Benjamin
sábado, setembro 18, 2021
cenas da minha vida passada
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sexta-feira, maio 14, 2021
segunda-feira, novembro 23, 2020
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segunda-feira, junho 15, 2020
quarta-feira, agosto 07, 2019
quinta-feira, setembro 20, 2018
sexta-feira, novembro 10, 2017
Colagem VI, com pintura acrílica
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quarta-feira, setembro 28, 2016
Um livro inquietante para se ler em 2016
Acabo de ler o romance K: Relato de uma busca, de Bernardo
Kucinski. O livro havia sido lançado primeiramente em 2011 pela editora
Expressão Popular, relançado em 2014 pela Cosac Naify e, este ano, saiu pela
Companhia das Letras. Não é
longo, apenas 169 páginas. Li em dois dias. Achei muito oportuno lê-lo agora em
2016, pois em 2011 a história configurava uma denúncia sobre a ditadura militar no
Brasil. Estava no passado. Nos dias de hoje,
ecoa como uma ameaça de futuro
próximo, ou mesmo de presente, que se configura quase como um pesadelo para
aqueles que ainda prezam a nossa frágil democracia, nossos direitos e
liberdades.
Em tempo: o livro é baseado na história do desaparecimento da irmã do
autor no início da década de 1970. Começa com um aviso: “Caro leitor: tudo
neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu”. Agora irei fazer algumas rápidas anotações sobre a trama e como ela reverberou em mim.
Primeira nota: o pai que sai em
busca da filha desaparecida nos porões da ditadura chama-se K., tal qual em O processo, de Kafka, e também é
enredado por agentes de um Estado perverso e autoritário, mas sobretudo cínico.
Um Estado que se permite usar de subterfúgios para não seguir a lei. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Segunda nota: a trama mostra as
estratégias de guerra psicológica usada pela repressão para confundir,
desestabilizar, “matar no cansaço” aqueles que procuravam seus desaparecidos. O
livro denuncia nas páginas finais que quarenta anos mais tarde esse “sistema
repressivo” ainda continuava (continua) articulado. Medo. Também faz-nos pensar como certas organizações
podem ser seletivas quanto aos Direitos Humanos: por exemplo, se a sua filha desaparecer
por causa do sionismo, nós te ajudamos, caso contrário, nada feito. Mostra
também que o informante, o dedo-duro, não veste gabardine e chapéu de feltro:
pode ser o simpático dono da padaria que escuta as conversas no balcão, o moço
que faz a vitrine de lojas em diferentes bairros da cidade. Enfim, pode ser
qualquer um.
Terceira e última nota: um dos trechos que mais me fizeram pensar
sobre os dias que vivemos hoje no Brasil está no capítulo no qual os colegas de
universidade de Ana, a filha desaparecida e que era professora do curso de Química
da USP, votaram por sua demissão por abandono de função. Ninguém, absolutamente
ninguém, tem coragem de dizer em voz alta que ela não abandonou a função, mas
que foi sequestrada por órgãos do Estado. Altos cientistas do país presentes à reunião,
alguns dos quais judeus perseguidos pelos nazistas na II Guerra, não se manifestaram.
O narrador conta que anos depois a reitoria assumiria a injustiça dessa
demissão, mas os professores presentes à reunião nunca se desculparam. Entre trechos
da Ata, o narrador imagina o que passou pela cabeça de cada um naquele momento.
Cada um com as suas desculpas íntimas para não se posicionar diante da injustiça.
Entre as desculpas, preservar a instituição, não colocar tudo a perder por causa de uma
simples professora, ganhar um cargo por ser cúmplice da repressão, simpatizar
ou não com a desaparecida, pra quê arriscar a carreira em nome de alguém que
nem conheço bem, metida sei lá com quê?
E cada um concede-se a sua
desculpa íntima para permanecer calado.
Serviço:
K: relato de uma busca, de Bernardo Kucinski. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 169 páginas.
segunda-feira, março 23, 2015
terça-feira, junho 24, 2014
Felisberto Hernández: a vida de um concertista de província
* Por Marlova Aseff
As freqüentes
viagens do escritor uruguaio Felisberto Hernández (1902-1964) pelas
cidadezinhas do interior do Uruguai e da Argentina formaram a matéria da
experiência que esse pianista-escritor levaria para a maioria das suas
narrativas. Impossível não lembrar Walter Benjamin, para quem havia dois
tipos arquetípicos de narradores: o sedentário, representado pelo camponês, e o
marinheiro-comerciante. Pois Felisberto Hernández é dessa segunda estirpe: um
navegador que percorria o pampa uruguaio e argentino – cuja planície foi muitas
vezes comparada à vastidão do mar – e aportava em lugarejos onde
recolheu o substrato de sua original literatura.
Mais conhecido em seu tempo como
pianista do que como escritor, o uruguaio era ao mesmo tempo galante (teve
várias mulheres) e glutão (de tão gordo, quando morreu, seu caixão teve de ser
retirado pela janela do prédio). Esteve fora do cânone literário de seu país
durante quase toda sua vida. Conforme estudo realizado por Alejandro Gortázar
na Universidad de La República (Uruguai)[1],
sua literatura apareceu pela primeira vez em uma antologia do conto daquele
país somente em 1962, dois anos antes de sua morte. Talvez a explicação para
esse fato resida em dois fatores que não se excluem: por um lado, a
originalidade de seu estilo retardou o reconhecimento de sua obra por parte da
crítica. Por outro, seus estranhos relatos necessitam de um público leitor que
esteja disposto a renunciar ao linear.
Na década de 70, escritores como
Italo Calvino e Julio Cortázar escreveram prólogos elogiosos para traduções
para o italiano (1974) e o francês (1975). Em 1977, um grupo de estudiosos do
Centro de Investigaciones Latinoamericanas da Universidade de Poitiers publicou
uma série de estudos dedicados à obra de Felisberto Hernández[2].
No entanto, as primeiras críticas foram divulgadas pela equipe do lendário
semanário uruguaio Marcha. Nessa publicação, críticos como Ángel Rama, Emir
Rodríguez Monegal, Mario Benedetti e José Pedro Díaz, entre outros, fizeram
suas apreciações (nem todas positivas) sobre a produção literária de
Felisberto.
Para Calvino, Hernández “não se parece com nenhum outro escritor”. Para
Cortázar, a obra do uruguaio “não responde a influências perceptíveis”. Sua
produção já foi considerada literatura imaginativa, fantástica, surrealista.
Essa última denominação foi criticada por Cortázar, que acusava a crítica de,
por não saber como enquadrar a obra, “tirar da cartola o grande coelho branco
chamado surrealismo”.
Pablo Rocca, professor da
Universidad de La República (Uruguai), chama a atenção para o rico contexto de
tensões no qual se formou a literatura de Hernández, como: campo e cidade,
vanguarda e criollismo, realismo e
formas do fantástico, modernização e conservadorismo. A temática insólita dos
contos, segundo Cortázar, alia o cotidiano ao excepcional a ponto de mostrar
que podem ser a mesma coisa. Além disso, em seus textos aparecem o registro coloquial (uma raridade na época) e um humor sutil e melancólico.
A obra de Felisberto Hernández divide-se naturalmente em três períodos com características diferentes. De 1925 a
1931, época em que inicia sua criação literária e lança pequenos livros sem
expressão: Fulano de tal (1925), Libro sin tapas (1929), La cara de Ana (1930) e La envenenada (1931). A partir de 1942, começa a segunda fase,
quando publica relatos mais extensos nos quais privilegia a memória e a
evocação. Pertencem a esse período Por los tiempos de Clemente Colling, El caballo perdido e Tierras de la memoria (publicado
postumamente). O
terceiro e último período é representado pelo conjunto de seus contos: Nadie encendía las lámparas (1947), Las hortensias (1949) e La Casa Inundada (1960).
Traduções brasileiras:
O cavalo perdido e
outras histórias. São Paulo: Cosac Naify, 2006. Tradução de Davi Arrigucci
Jr.
As hortensias/Las
hortensias. São Paulo: Grua, 2012 (edição bilíngue). Tradução de Pablo Cardellino Soto e Walter
Carlos Costa.
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Felisberto Hernández,
Literatura do Prata
sexta-feira, abril 11, 2014
Otília tinha toda uma teoria sobre
o que o bordado poderia ensinar às pessoas. Ou melhor dizendo, às mulheres, uma
vez que os homens não costumavam bordar.
Por exemplo, ela dizia que a beleza de uma
coisa era diretamente proporcional à falta de pressa com que havia sido feita. Isso
valia igualmente para uma receita de bolo, uma refeição, para a amizade ou para
o amor. Também falava que era melhor
consertar um erro logo que ele acontece, pois depois se tornava muito mais
difícil voltar atrás, e raramente isso era feito sem deixar marcas no “bordado”.
Havia também a questão da escolha das cores (o contraste certo poderia ressaltar
todo o potencial de beleza de um determinado tom) e da tensão com que devíamos fazer os pontos
(nem frouxo demais, nem apertado demais).
E os arremates? Os arremates, ela
pensava, eram a prova de que era preciso também cuidar das coisas que não são visíveis,
pois elas, embora não sejam evidentes, podem ser sentidas, estão presentes de
alguma forma e atestam a integridade da “coisa” em questão. E chamava a atenção
para nunca descuidarmos dos fiapos soltos: parecem inofensivos, mas podem
acabar com a sua paz.
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Conto
sábado, fevereiro 08, 2014
Frente fria
Marlova Aseff
Um
temporal se forma quando uma frente fria avança, do Sul em direção ao
Norte, até se chocar com uma massa de ar quente. A esse violento
encontro da natureza também chamamos de tempestade ou tormenta. São dois
movimentos opostos, como dois desejos em combate.
Estavam
em meados de abril e os dias continuavam quentes e abafados. Ao acordar, Teresa
tinha sempre a esperança de ver nuvens no céu ou de, ao menos, sentir uma leve brisa que pudesse anunciar chuva. Mas
não. O tempo passava e o céu amanhecia,
dia após dia, de um azul pleno, iluminando a
vastidão da planície. O sol,
onipresença tórrida, sugava as energias de todos os seres. Homens, gado,
cachorros, gatos e até os pássaros procuravam uma sombra para escapar do
mormaço. O calor obrigava Teresa a cumprir as lides da primeira hora da manhã
com certa pressa. Levantava antes das cinco, e o sol não tardava em arder mais
e mais forte, tornando fatigante o trabalho caseiro. Isso a incomodava de
maneira particular, pois alterava a rotina lenta e metódica com que estava
acostumada a levar o tempo, num ritual repetitivo, mas que a ajudava a
preencher os dias. Ela observava o calor impelindo o pasto a se retorcer,
travando uma luta inútil para não
ressecar por inteiro; sentia a sola dos pés queimarem a ponto de ter de procurar uma laje que ainda se mantivesse
fria para plantá-los ali por alguns momentos.
Mais uma semana
de sol e pequenas trombadas de chuva que de nada serviam e o poço, que havia
resistido por todo o verão, começava a secar. O homem da casa recomendou que
não fossem mais lavadas as roupas, nem as lajes. Era preciso poupar água. Com menos serviço, ela agora tinha tempo para sentar-se à sombra dos
cinamomos e jogar pensamentos fora
enquanto esvaziava as glândulas de tanto suar. Atirada sob as árvores, pensava
em como o verão lhe era especialmente cruel. Havia lhe tirado os últimos
prazeres que tinha, como o gosto pelo
mate amargo da manhã. Sorver o líquido quente a fazia arder ainda mais.
Depois
de limpar a casa, o final da manhã era o
próprio inferno. Ficava junto ao fogão para preparar o almoço dos homens e os
vapores ferventes das panelas a envolviam até a náusea. A hora da sesta tampouco trazia alívio, pois o
sono era pesado e a levava a pesadelos diurnos que eram sempre mais terríveis
do que os da noite. Mesmo assim, era preciso escapar do escaldante sol da uma
hora da tarde abrigando-se na penumbra dos quartos da casa, sentir o cheiro das
coisas velhas, olhar entediadamente para o teto de madeira e as suas teias de aranha ou para os móveis quietos da casa. Nessas horas arrastadas, ouvia o galo cantar
longe dali, a quietude revelava o rangido das madeiras do assoalho, a
respiração dos ocupantes dos outros cômodos. Mantinha-se nesse exercício de
escutar até o chão ressonar com o trote manso dos peões em seus cavalos, rumo
ao campo para a jornada da tarde. Nunca sabia se tinha de fato dormido ou se
ficara todo o tempo a decifrar os sons da casa. Uma pequena redenção era a
chegada da noite. O céu cobria-se de alaranjados e rosas, os animais recolhiam-se e a
noite avançava lentamente. Por alguns minutos, o esperado alívio. Da janela do
banheiro, lavando-se com a água fresca do poço, via a lua, imensa, nascendo
vermelha. Mesmo bela, era um sinal de que o calor permaneceria. Neste momento, o desânimo a devorava. Era o fim
de mais um dia.
Em uma dessas noites, com as
coxas grudadas de suor e a nuca encharcada, entrelaçou ideias desordenadas e
repetitivas sobre quando a estação ingrata haveria de acabar. Doeu-lhe
profundamente não poder contar com o refúgio imaginário dos dias frios. Ficar
sob as cobertas pesadas enquanto não era hora de levantar, consolada pelo cinza
chumbo do inverno, imóvel, como num
canto de si mesma. Sentia-se mais viva nos dias de vento forte, frio e
revoltoso. Pensou em como, todos os
anos, ansiava pela chegada do inverno, quando o rádio alertava a aproximação
das frentes frias, que inevitavelmente
formavam violentas tempestades. Nunca desejara tanto ver uma tormenta se
armando no horizonte.
De madrugada, Teresa acordou
ouvindo a janela do quarto que batia forte. Nuvens de poeira invadiram a peça,
banhando-a de translúcidas partículas que se colaram ao corpo ainda úmido de
suor. Saiu correndo e, afoita, olhou para o céu e viu nuvens avançando ágeis
sobre a sua cabeça. Enfim a tormenta viria. O vento sacudia os eucaliptos e
carregava folhas soltas em pequenos redemoinhos que a envolviam enquanto
girava, só e desvairada, no pátio da casa. Sentiu prazer em cada trovoada, em
cada relâmpago que atravessava o breu e esperou avidamente pelas primeiras
gotas de chuva.
Mas as gotas não caíram. O mesmo vento que
trazia a chuva, carregou-a para longe. Teresa voltou a seu quarto. A madrugada
corria solta e nenhum sopro de brisa adentrava a janela.
domingo, outubro 13, 2013
A plenitude do instante
Pinceladas rápidas. Pinceladas rápidas e múltiplas, nervosas e rítmicas, ondulantes, fragmentadas, descontraídas. Pinceladas rápidas e múltiplas, nervosas e rítmicas, ondulantes, fragmentadas, descontínuas.
O quadro O Grito de Munch berrava tons entre vermelho roxo laranja e não se ouvia o grito mas sim as cores suplicantes e foi aí que folheando um livro de física me revoltou o fato de as cores serem uma ilusão e isto é uma advertência de que tudo o mais pode ser ilusório quer dizer não existem de fato as cores e uma mesa vermelha não é uma mesa vermelha é a ilusão do vermelho presente e na verdade a cor é a capacidade dos objetos sugarem a luz como esponjas que umedecem o azul dos quadros de Picasso.
– Quer dizer que nós nunca vimos mesmo o azul? – ela pergunta, olhando nos olhos dele, que eram profundamente azuis.
* Miniconto de Marlova Aseff
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sábado, julho 20, 2013
Miniconto doméstico

Não existem mais mulheres como eu, que se dignam a chorar cortando uma cebola! Estraçalho os vegetais com a faca afiada, rápida e fatal como uma metralhadora. Também gosto do liquidificador e do aspirador de pó, ou de qualquer outro eletrodoméstico barulhento que possa tirar a sua paz. É como gritar, mas sem precisar abrir a boca.
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Conto
Reciclando textos (1)

“O homem que não é capaz de
enfrentar o seu passado, não tem passado;
ou melhor, nunca sai dele,
vive eternamente dentro dele.”
Schelling
Barcelona (2005) - Andando pelas ruelas da Cidade Velha, percebo que o passado vive no presente. A atmosfera deste espaço real me leva a pensar em uma arqueologia de mim mesma (quantas cidades soterradas, quantas camadas por escavar?) Desvendar o passado para encontrar a liberdade de seguir adiante e dizer "Meu tempo é hoje", como cantou Paulinho da Viola.
quinta-feira, julho 05, 2012
Jules Supervielle (Parte I)
1. Por que traduzir Jules
Supervielle
Em Influências
e impasses, John Gledson resgata a importância do poeta franco-uruguaio Jules
Supervielle na obra do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade. Mas quem é,
afinal, esse poeta pouco conhecido no Brasil e que, conforme sustenta Gledson,
teve influência tão “fascinante” sobre a poesia de Drummond? Supervielle (1884-1960) foi narrador,
dramaturgo e, acima de tudo, autor de uma poesia de estilo muito pessoal.
Nasceu em Montevidéu, em uma família francesa ligada ao ramo financeiro. Com
oito meses de idade, ficou órfão. Criado pelos tios, aos 10 anos foi enviado à
França para estudar. Passou a vida entre a Europa e a América do Sul e, juntamente
com Jules Laforgue e Isidore Ducasse, forma a conhecida “trinca dos poetas
franco-uruguaios”. No entanto, Supervielle tenha sido o único desses três a
evocar em sua obra a vida no continente americano.
Para Gledson,
Drummond sentiu-se atraído por Supervielle devido “à sua gaucherie
partilhada” (Gledson, 2003, p. 97). Ou seja, ambos sofreriam de certa “inadequação
social” por estarem “em uma posição intermediária entre o mundo da imaginação e
o subconsciente, por um lado, e o entendimento do público, por outro” (Ibidem,
p. 101). Sobre a preocupação de que sua poesia fosse compreendida por todos, Supervielle deixou o
seguinte depoimento:
Pour moi ce
n’est qu’à force de simplicité et de transparence que je parviens à aborder mes
secrets essentiels et à décanter ma poésie profonde. Tendre à ce que le surnaturel devienne naturel et coule de source (ou en
ait l‘air). Faire en sorte que l’ineffable nous devienne familier tout en
gardant ses racines
fabuleuses. […] Je n’ai guère connu la peur de la banalité qui hante la plupart
des écrivains mais bien plutôt celle
de l’incompréhension et de la singularité. N’écrivant pas pour des spécialistes
du mystère j’ai toujours souffert quand une personne sensible ne comprenait pas
un de mes poèmes (Supervielle 1951, pp. 60-61).*
Em seu estudo, Gledson resgata um tributo publicado por Drummond por
ocasião da morte do poeta franco-uruguaio, no qual Drummond revela profunda devoção
por Supervielle:
Não conheci pessoalmente Jules Supervielle, nunca recebi dele uma linha. Entretanto, sinto sua morte como a de um amigo chegado. A explicação é simples, amo sua poesia há mais de trinta anos, e relações desta natureza criam uma espécie de intimidade, que não depende de conhecimento individual. [....] Sua poesia tinha algo de muito especial mas indefinível à primeira vista ou à luz das idéias estéticas em voga. Era canção, melodiosa mas discreta, de um homem que aprofundava sua condição de homem, e tentava mergulhar na essência da natureza, surdamente, suavemente, como quem vai de leve e devagar por uma estrada cada vez mais estreita, mais escura – estrada que tanto pode conduzir a uma floresta, como a um reino submarino, a uma paisagem pré-histórica, ou, quem sabe, a um universo gasoso (Drummond apud Gledson 2003:93).
Tal relação entre Supervielle e Drummond faz
com que a poesia de Supervielle revista-se de um novo significado tanto para a
crítica como para o público brasileiro. No entanto, sua produção poética não
chegou ao Brasil em traduções.[1]
Pela antologia Oublieuse mémoire, publicada em 1949, Supervielle recebeu
o Prix des Critiques e, em 1955, foi contemplado com o prêmio da
Academia Francesa pelo conjunto da obra. Le corps tragique, espécie de
meditação sobre a morte, publicada em 1959, foi seu último trabalho.
Supervielle morreu em Paris em 1960, aos 76 anos.
Em
seus primeiros poemas, o franco-uruguaio adotou formas tradicionais, passeando
por influências parnasianas, simbolistas e também do modernista Rubén Darío
(como em Brumes du passé, de 1900, e Comme des voiliers, de
1910). A proximidade a Jules Laforgue o ensinou a cultivar o humor, o que
resultou na antologia Poèmes de l'humour triste, de 1919. Mas é somente
a partir de Débarcadères (1922) que ele começa
a se libertar das antigas influências, escrevendo a primeira de suas
antologias em verso livre. Nela, se percebe o gosto pelas viagens que costumava
fazer em companhia de Valery Larbaud (1881-1957), francês
que popularizou os diários de viagem. Nessa antologia há, inclusive, um poema
intitulado “L'escale brésilienne” [“A escala brasileira”]. O poeta esteve no
Brasil diversas vezes. Em 1930, visitou cidades mineiras numa viagem que ficou
registrada no relato autobiográfico Boire à la source. Depois de
escrever um romance fantástico (L'homme de la pampa, 1923), Supervielle
principia a exploração de aspectos mais profundos da sua personalidade em Gravitations
(1925), Le forçat innocent (1930), Les amis inconnus (1934),
La fable du monde (1938).
Publicou também narrativas, como Premiers pas de l’univers e L'enfant
de la haute mer. Para o teatro, escreveu peças como La belle au bois e
Le voleur d'enfants. Amigo de
Rainer Maria Rilke, com
quem se correspondia regularmente, de Henri
Michaux e de Jean Paulhan, incentivador da obra do uruguaio Felisberto
Hernández, freqüentador do atelier de Tarsila do Amaral durante as temporadas
da pintora em Paris, Supervielle era uma figura intrigante e que se manteve
independente dos movimentos literários do início do século passado,
principalmente do surrealismo, muito difundido após o manifesto de André Breton
de 1924. Zum Felde ( apud Brando,
2001, p, 267), afirma que “dentro de um sóbrio equilíbrio convergem em
sua poesia a imagem criacionista do surrealismo, a emotividade lírica e a nudez
construtiva da forma, desprovida de todo luxo decorativo”. Alguns temas recorrentes em sua poesia são os
fantasmas do inconsciente, a presença escondida de Deus, a angústia perante a
morte, jogos sutis com a linguagem, além dos lapsos da memória. Mas deixemos
que o próprio poeta fale do que podemos encontrar em seu poema:
Allons, mettez-vous là au milieu de mon poème […]
Vous y trouverez un air, un ciel plus cléments que l’autre,
Dans un grand imprévu d’arbres ignorés par les saisons,
Une attentive floraison comme aux premiers jours du monde.[2]
[1] A única tradução para o português brasileiro
no Index Translationum database da Unesco é O boi e o jumento do presépio [Le
boeuf et l'ane de la creche], por Abgar Renault (Belo Horizonte:
Mazza, 1995).
[2] Supervielle, Jules. La fable du monde, p. 108.
Vamos,
entre no interior do meu poema [...]
Você encontrará
um ar, um céu, mais clementes do que o outro,
Num
grande imprevisto de árvores ignoradas pelas estações,
Uma atenta
floração como nos primeiros dias do mundo.
* Para mim, é somente pela
simplicidade e pela transparência que consigo abordar os meus segredos
essenciais e decantar a minha poesia profunda. Tendo a que o sobrenatural se
torne natural e transpareça (ou tenha ares de transparência). Faço de modo que
o inefável se torne familiar, ao mesmo tempo que guarda as suas raízes
fabulosas.[...] Não conheci o medo da banalidade que assombra a maior parte dos
escritores, antes, conheci o medo da incompreensão e da singularidade. Como não
escrevo para os especialistas em mistério, sempre sofri quando uma pessoa
sensível não compreendia um dos meus poemas. (Tradução minha)
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