Resenha de As chaves do século 21. Tradução de Luís Couceiro Feio. Lisboa: Editora Piaget, 2000, 533pp.
Fruto de conferências organizadas pelo gabinete de análise e previsão da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), com o objetivo de refletir sobre o futuro da humanidade, As Chaves do Século 21 é a primeira antologia dessas discussões travadas entre cientistas, intelectuais, criadores e grandes personalidades contemporâneas. Dividida em cinco partes, a obra apresenta aproximadamente 90 artigos que pretendem dar respostas às principais questões que preocupam o homem atualmente.
Nos capítulos dedicados à cultura, um dos questionamentos principais é se caminhamos para um choque de culturas ou para uma mistura das mesmas. Afinal, o fenômeno da globalização tem construído novos modos de relação entre os homens. Entre as conseqüência desses contatos está o desaparecimento de línguas minoritárias. Segundo o lingüista Laurent Sagart, atualmente, são faladas no mundo entre 5 mil e 6 mil e setecentas línguas. E somente menos da metade delas tem possibilidade de sobreviver ao ano de 2100. Por isso, defende que há um trabalho enorme a ser feito pela comunidade internacional, no sentido de promover o registro de línguas, vocabulário e literaturas orais. Enfim, as línguas são um patrimônio da humanidade, cada uma representando uma visão única do mundo. “Quando uma língua desaparece, é toda uma parte do pensamento humano, da literatura escrita ou oral e da mitologia que se perde com ela”, diz Stephen Wurm, diretor de publicação do Atlas of the world languages in danger of disappearing.
O futuro da literatura é discutido pelo escritor Philippe Sollers, um dos fundadores da revista Tel Quel nos anos 60, e pelo romancista grego Vassiklis Vassilikos, autor de Z, obra adaptada para o cinema por Costa-Gravas. Para Sollers, o homem é uma presa da literatura, pois está obrigado a sonhar. No entanto, teme por duas formas de censura: a primeira, caracterizada por perseguições e por assassinatos de escritores e jornalistas, como a que sofreu Salman Rushdie pelo Irã. A segunda forma está no risco de uma civilização “onde os livros abundam em toda a parte sem que ninguém os leia”. Para Vassilikos, o futuro da literatura é o seu passado. Ele acredita que embora nossa época seja marcada pelo vídeo e pela eletrônica, continua baseada na escrita. “A literatura não está apenas ligada a esta forma bem identificada que é o livro”, defende. Para ele, independentemente dos meios pelos quais esta arte for difundida, estará sempre vinculada ao mito e à história. “O futuro da literatura está ligado ao futuro do homem. Enquanto os homens continuarem a falar, também quererão exprimir-se pelo discurso.”
Edgar Morin, em seu artigo, propõe uma reforma do pensamento e da educação. Para o sociólogo, o problema do conhecimento ser cada vez mais fragmentado deverá acentuar-se neste século e exigirá uma solução. E a reforma do pensamento seria inseparável de uma reforma na educação. “O ensino não deve visar à acumulação de conhecimentos, mas organizá-los em função de eixos estratégicos essenciais”, afirma Morin, preocupado com a incapacidade atual de se pensar o mundo globalmente e em suas partes. Ele resume citando Montaigne, ensaísta que, já no século 16, dizia: “Vale mais uma cabeça bem feita do que uma cabeça cheia”. Outros dos objetivos do novo ensino seriam o de trabalhar a consciência da condição humana no cosmos, o de propiciar a convivência com os outros com nós mesmos e o de formar cidadãos com consciência ao mesmo tempo nacional e planetária.
O livro também discute a natureza do futuro. A idéia central é que, se o século 21 nasce sob o signo do fim das certezas, não somos capazes de prever como será o amanhã. Porém, é viável, sim, detectar no presente os germens dos futuros possíveis, começando a prepará-los desde agora. Há também uma reflexão sobre a espécie humana, abordando desde fatores como envelhecimento, demografia, biotecnologia, poluição, formas de energia, segurança alimentar, utilização da água e exploração do espaço. A terceira parte – que será detalhada a seguir - trata do que podemos esperar no campo da cultura. A vida em sociedade também é abordada, discutindo valores como democracia, direitos humanos, das mulheres, da infância. Ao final, reflete-se sobre qual será o futuro do trabalho e do tempo, além de como lidar com a crise no universo profissional provocada pelo fim do modelo fordista.
Jean Baudrillard traz à tona a discussão sobre o imaterial, o ciberespaço, o clone... E faz uma provocação ao perguntar se deixamos de ser reais. Pergunta esta a qual responde imediatamente: “Não. Sofremos mesmo um excesso de realidade porque fomos agarrados por uma empresa colossal e coletiva de realização do mundo, isto é, transferir potencialidades, sonhos, ilusões, para o real”, diz o sociólogo. Mais além de analisar questões importantes para o planeta, As Chaves do Século 21 tenta demonstrar que o declínio das utopias aumenta a responsabilidade da humanidade não somente com o futuro, mas fundamentalmente com o presente.
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